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02 janeiro 2024

O SILÊNCIO E TEMPO

 

O SILÊNCIO E TEMPO

 

     Sabe a ponte do trem na nossa cidade? Era lá que eu ia subir, calma não interprete mal, não ia pular, o rio estava seco, além disso não tenho inclinações suicidas, mas queria está lá em cima, esperar o vento mais forte, estufar o peito e grita teu nome com toda força que tivesse para ecoar por todos os becos, ruas, avenidas, praças, bares e quartos dos hotéis de beira de estrada onde pudesse existir vida apaixonante. Mas faltou me coragem, talvez o peso da idade, ou quem sabe percebi o fim da adolescência. A propósito, falando nisso, lembrei de um caso um pouco engraçado, como sou eu quem está a escrever, tenho liberdade para contar.

     O ano era 1990, eu tinha 15 anos e estava descobrindo muitas coisas inclusive o sexo..., e adolescente apaixonado é capaz de tudo, análogo a Homero, vai da terra ao céu, assim disse Erasmo de Roterdã em seu elogio da loucura. Bom, dito isto, voltando, pois, a 1990. Final de tarde na rua dos Inocentes no período das cheias do velho Jaguaribe, a ponte metálica vira ponto turístico. Foi às margens do dito rio que tive a certeza do inconsequente jovem que seria anos mais tarde.

     O sol decrescia quando cheguei vestido com a farda da escola em uma bicicleta Caloi Cross azul de pular rampa, encostei-a nos tijolos, fingi estar arrumando o cabresto da chinela que houvera saído. Saibas, portanto, o mais interessante para mim, não era a visão da água passando velozmente sob a ponte, o meu real motivo de estar ali, usava calça jeans apertada, tênis all star branco, hoje casada, razão pela qual não posso revelar o nome. Bela e extravagante, contemplava o fenômeno mais esperado de dezembro a fevereiro, a enchente do rio. Maravilhoso o momento! Não pensei, contudo, em chegar fazendo graças, certamente seria um desastre, nunca fui engraçado, resolvi aproximar um pouco, puxar conversa. E veja só, deu certo! Em uma delas, pergunta se eu tinha coragem de pular do Arco da ponte do trem. Sem titubear, logo disse: é claro, já pulei com os colegas. Rindo chamou-me de mentiroso, não tinha coragem para tanto. Discordei zangado, afinal de contas era uma adolescente querendo se firmar como homem. Se com razão, ou sem, continuava na provocação sorrindo graciosamente, dessa vez preferi calar.    

     Foi então que ouvi a frase mais inspiradora na minha adolescência! Ela disse: se você pular, te dou um beijo e outra coisa. Ah, não sabia que eu era demasiadamente imprudente. E antes de duvidar como fez foguinho, era assim que os meninos a chamavam devido seus cabelos vermelhos, achando impossível pular no rio com a farda da escola. A saber, meus caros, todo menino na minha época andava preparado, vestia um calção e a calça por cima, caso precisasse jogar futebol ou tomar banho no rio. Pois bem, fui logo tirando a roupa, subi no Arco da ponte. Já posto para pular, observei o rio, ele estava com uma correnteza enorme. Senti medo por alguns instantes, mas nada poderia tirar meu pensamento do beijo e da outra coisa que iria ganhar se pulasse. E pulei sem receio do que estaria submerso. Nadei até a margem para receber meu beijo e saber onde ela iria me dar a outra coisa. Quando sai da água percebi que havia sido enganado, ela não estava mais lá! Quão ingrata foi comigo. Sumiu, não tive mais contato, também não a vi mais na escola, acho que tinha sido transferida, ou expulsa.

     A moça, confesso, tinha um comportamento estranho, duvidoso um tanto quanto extravagante, mas me atraia, queria saber o que a menina de calça jeans apertada, tênis all star branco e cabelo a descobrir os ombros, fazia toda tarde de trás da escola na hora do recreio. Anos depois passando para rever os amigos, encontrei-a na praça do bairro empurrando um carrinho com um bebê. Desejei ser seu par. Que tristeza! Porém sem ressentimento cumprimentei – a gentilmente, fiz elogios à criança, virei as costas, fiquei a conversar com alguns amigos, e ouvi quando perguntou à mulher que a acompanhava, quem é esse rapaz tão educado? A senhora respondeu dizendo: nunca vi por essas bandas. Deu vontade de cobrar o pulo do Arco da ponte, mas faltou coragem, também já não era mais adolescente. 

    Depois de tantas indagações, entendi porque não subi na ponte! Provavelmente os becos, ruas, avenidas, praças, bares e quartos dos hotéis de beira de estrada onde pudesse ter vida apaixonante, estivessem ocupados a admirar outros amores, outras sensações, e não nos reconhecessem mais como potenciais amantes. Ou quem sabe não tivesse mais sentido gritar teu nome, a efemeridade das coisas não nos permite assumir decisões definitivas, porque na vida somente a incerteza tem perenidade. Porém se por curiosidade uma vereda qualquer, onde em algum momento da nossa vida paramos, escutasse o desesperado grito. Diria talvez, porque lamentas dilacerado peito? Tudo no mundo se dissipa com o tempo.

                                                                                                             Farias, 20/ 04/ 2013

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