O SILÊNCIO E TEMPO
Sabe a ponte do trem na nossa cidade? Era lá que eu ia subir, calma não
interprete mal, não ia pular, o rio estava seco, além disso não tenho inclinações
suicidas, mas queria está lá em cima, esperar o vento mais forte, estufar o
peito e grita teu nome com toda força que tivesse para ecoar por todos os
becos, ruas, avenidas, praças, bares e quartos dos hotéis de beira de estrada
onde pudesse existir vida apaixonante. Mas faltou me coragem, talvez o peso da
idade, ou quem sabe percebi o fim da adolescência. A propósito, falando nisso,
lembrei de um caso um pouco engraçado, como sou eu quem está a escrever, tenho
liberdade para contar.
O ano era 1990, eu tinha 15 anos e estava descobrindo muitas coisas
inclusive o sexo..., e adolescente apaixonado é capaz de tudo, análogo a
Homero, vai da terra ao céu, assim disse Erasmo de Roterdã em seu elogio da
loucura. Bom, dito isto, voltando, pois, a 1990. Final de tarde na rua dos
Inocentes no período das cheias do velho Jaguaribe, a ponte metálica vira ponto
turístico. Foi às margens do dito rio que tive a certeza do inconsequente jovem
que seria anos mais tarde.
O sol decrescia quando cheguei vestido com a farda da escola em uma
bicicleta Caloi Cross azul de pular rampa, encostei-a nos tijolos, fingi estar
arrumando o cabresto da chinela que houvera saído. Saibas, portanto, o mais
interessante para mim, não era a visão da água passando velozmente sob a ponte,
o meu real motivo de estar ali, usava calça jeans apertada, tênis all star
branco, hoje casada, razão pela qual não posso revelar o nome. Bela e
extravagante, contemplava o fenômeno mais esperado de dezembro a fevereiro, a
enchente do rio. Maravilhoso o momento! Não pensei, contudo, em chegar fazendo
graças, certamente seria um desastre, nunca fui engraçado, resolvi aproximar um
pouco, puxar conversa. E veja só, deu certo! Em uma delas, pergunta se eu tinha
coragem de pular do Arco da ponte do trem. Sem titubear, logo disse: é claro,
já pulei com os colegas. Rindo chamou-me de mentiroso, não tinha coragem para
tanto. Discordei zangado, afinal de contas era uma adolescente querendo se
firmar como homem. Se com razão, ou
sem, continuava na provocação sorrindo graciosamente, dessa vez preferi
calar.
Foi então que ouvi a frase mais inspiradora na minha adolescência! Ela
disse: se você pular, te dou um beijo e outra coisa. Ah, não sabia que eu era
demasiadamente imprudente. E antes de duvidar como fez foguinho, era assim que
os meninos a chamavam devido seus cabelos vermelhos, achando impossível pular
no rio com a farda da escola. A saber, meus caros, todo menino na minha época
andava preparado, vestia um calção e a calça por cima, caso precisasse jogar
futebol ou tomar banho no rio. Pois bem, fui logo tirando a roupa, subi no Arco
da ponte. Já posto para pular, observei o rio, ele estava com uma correnteza
enorme. Senti medo por alguns instantes, mas nada poderia tirar meu pensamento
do beijo e da outra coisa que iria ganhar se pulasse. E pulei sem receio do que
estaria submerso. Nadei até a margem para receber meu beijo e saber onde ela
iria me dar a outra coisa. Quando sai da água percebi que havia sido enganado,
ela não estava mais lá! Quão ingrata foi comigo. Sumiu, não tive mais contato,
também não a vi mais na escola, acho que tinha sido transferida, ou expulsa.
A moça, confesso, tinha um comportamento estranho, duvidoso um tanto
quanto extravagante, mas me atraia, queria saber o que a menina de calça jeans
apertada, tênis all star branco e cabelo a descobrir os ombros, fazia toda
tarde de trás da escola na hora do recreio. Anos depois passando para rever os amigos, encontrei-a na praça do
bairro empurrando um carrinho com um bebê. Desejei ser seu par. Que tristeza!
Porém sem ressentimento cumprimentei – a gentilmente, fiz elogios à criança,
virei as costas, fiquei a conversar com alguns amigos, e ouvi quando perguntou
à mulher que a acompanhava, quem é esse rapaz tão educado? A senhora respondeu
dizendo: nunca vi por essas bandas. Deu vontade de cobrar o pulo do Arco da
ponte, mas faltou coragem, também já não era mais adolescente.
Depois de tantas indagações, entendi porque não
subi na ponte! Provavelmente os becos, ruas, avenidas, praças, bares e quartos
dos hotéis de beira de estrada onde pudesse ter vida apaixonante, estivessem
ocupados a admirar outros amores, outras sensações, e não nos reconhecessem
mais como potenciais amantes. Ou quem sabe não tivesse mais sentido gritar teu
nome, a efemeridade das coisas não nos permite assumir decisões definitivas,
porque na vida somente a incerteza tem perenidade. Porém se por curiosidade uma
vereda qualquer, onde em algum momento da nossa vida paramos, escutasse o
desesperado grito. Diria talvez, porque lamentas dilacerado peito? Tudo no
mundo se dissipa com o tempo.
Farias, 20/ 04/ 2013
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