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02 janeiro 2024

OLHA SE VEM GENTE

 

OLHA SE VEM GENTE!

   

Agora irá levar uma surra moleque safado. Foram essas palavras com atroz vontade que a vovó Luzia me disse quando eu tinha apenas 10 anos de idade. Antes de falar o motivo quero aqui dizer que só não apanhei porque minha querida mãe pegou-me pelo braço da minha vó para começar as indagações.

___Diga-me agora o que fizeste menino, fala, qual o motivo de sua vó está assim tão brava? Pisaste em algum pinto da galinha dela? Foi? Essa inquisição demorou uns dez minutos, e eu permaneci calado, olhando para o terreiro, caso dona Luzia viesse eu corria.

      Pois bem, fomos para casa, eu já tinha estragado a visita na casa de minha vó. No meio do caminho mamãe insiste mais uma vez em perguntar o que eu teria feito. Eu continuei em um silencio sepulcral. Percebi a falta de paciência de Mada, é assim que ainda hoje chamo minha progenitora, como diz Antônio Bicuã, um senhor com ar de aristocrata falido, um desses filósofos de botequim, amigo da família, cujo oficio era passar o dia no bar de Raimundo, pedindo uma dose de cachaça à quem se aproximava da bodega, e dizendo pilhéria.

      Bom, depois dessa longa digressão, não sei nem porque falei tanto de seu Antônio Bicuã, talvez tinha sido pelo nome progenitora e a forma como ele proferia ao falar de seus pais no período áureo de sua família. O certo é que não devia estar nessa conversa, mas era um sujeito de boa prosa, bom vocabulário, tinha certamente, frequentado bons colégios na juventude, por isso sua conversa me atraia. São suposições, o que de fato se sabe é que havia sido preso por deixar de pagar um programa feito com uma prostituta conhecida pela alcunha de Raimunda Lambreta. 

      Certa vez o filósofo ia passando quando um de seus amigos, o Zé Bolinho gritou:

___Assulera  Bicuã, confesso que achei aquela palavra esquisita, perguntei a Mada porque seu Zé bolinho tinha mandado o filosofo assulerar. Descobri, então, que o nome correto era acelera, e a expressão tinha uma relação com caso da prisão de Bicuã, pois lambreta tratava de um veículo motorizado. Era uma zombaria com amigo. Ah! Encontrei a razão de ter dedicado esse parágrafo ao seu Bicuã. Primeiro gostava de ouvir suas mentiras, segundo indiretamente foi ele quem me mostrou o real motivo da minha vó querer matar-me de uma surra.

      O fato foi o seguinte, ele gostava de ler, estava sempre com um livro de bolso. Eu admirava aquele habito! Resolvi pedi emprestado para ler só por curiosidade. O livro era a peça, medida por medida, de Shakespeare, foi nessa peça que descobri o motivo de vovó querer dá- me umas lapadas de cinto. Na peça citada o jovem Claudio é preso acusado de fornicar com sua prima Julieta. Pois é, não fui preso, porém quase ia tendo o espinhaço cortado por surra dada com o cinto de meu avô.

      Por um longo tempo, fiquei sem entender a ira de dona Luzia, mas graças ao livro de Shakespeare, e o dicionário, descobri a razão. Fazer sexo sem casar não pode. Eu quase fornicava com uma também prima, a atrevida Elba. Sentia-me um transgressor dos princípios guardados pelos mais velhos da família. O problema era que Elba não podia me ver, logo inventava uma brincadeira, em quase todas eu era o marido dela.

     E assim o tempo foi passando, crescemos, hoje adultos, no entanto não perdemos o belíssimo hábito, lembrando de José Dias de Dom casmurro e seus superlativos, Elba e eu nunca deixamos de transgredir, agora, sem a culpa, ou acusadores. Mas não façam mau juízo de nós, antes nunca fornicamos! Era pecado.  

                                                                                                                          Farias 2001

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