OLHA
SE VEM GENTE!
Agora irá levar uma
surra moleque safado. Foram essas palavras com atroz vontade que a vovó Luzia
me disse quando eu tinha apenas 10 anos de idade. Antes de falar o motivo quero
aqui dizer que só não apanhei porque minha querida mãe pegou-me pelo braço da
minha vó para começar as indagações.
___Diga-me agora o
que fizeste menino, fala, qual o motivo de sua vó está assim tão brava? Pisaste
em algum pinto da galinha dela? Foi? Essa inquisição demorou uns dez minutos, e
eu permaneci calado, olhando para o terreiro, caso dona Luzia viesse eu corria.
Pois bem, fomos para casa, eu já tinha
estragado a visita na casa de minha vó. No meio do caminho mamãe insiste
mais uma vez em perguntar o que eu teria feito. Eu continuei em um silencio
sepulcral. Percebi a falta de paciência de Mada, é assim que ainda hoje chamo
minha progenitora, como diz Antônio Bicuã, um senhor com ar de aristocrata
falido, um desses filósofos de botequim, amigo da família, cujo oficio era
passar o dia no bar de Raimundo, pedindo uma dose de cachaça à quem se
aproximava da bodega, e dizendo pilhéria.
Bom, depois dessa longa digressão, não sei nem
porque falei tanto de seu Antônio Bicuã, talvez tinha sido pelo nome
progenitora e a forma como ele proferia ao falar de seus pais no período áureo
de sua família. O certo é que não devia estar nessa conversa, mas era um
sujeito de boa prosa, bom vocabulário, tinha certamente, frequentado bons
colégios na juventude, por isso sua conversa me atraia. São suposições, o que
de fato se sabe é que havia sido preso por deixar de pagar um programa feito
com uma prostituta conhecida pela alcunha de Raimunda Lambreta.
Certa vez o filósofo ia passando quando
um de seus amigos, o Zé Bolinho gritou:
___Assulera Bicuã, confesso que achei aquela palavra
esquisita, perguntei a Mada porque seu Zé bolinho tinha mandado o filosofo
assulerar. Descobri, então, que o nome correto era acelera, e a expressão tinha
uma relação com caso da prisão de Bicuã, pois lambreta tratava de um veículo
motorizado. Era uma zombaria com amigo. Ah! Encontrei a razão de ter dedicado
esse parágrafo ao seu Bicuã. Primeiro gostava de ouvir suas mentiras, segundo
indiretamente foi ele quem me mostrou o real motivo da minha vó querer matar-me
de uma surra.
O fato foi o seguinte, ele gostava de
ler, estava sempre com um livro de bolso. Eu admirava aquele habito! Resolvi
pedi emprestado para ler só por curiosidade. O livro era a peça, medida por
medida, de Shakespeare, foi nessa peça que descobri o motivo de vovó querer dá-
me umas lapadas de cinto. Na peça citada o jovem Claudio é preso acusado
de fornicar com sua prima Julieta. Pois é, não fui preso, porém quase ia tendo
o espinhaço cortado por surra dada com o cinto de meu avô.
Por um longo tempo, fiquei sem entender a
ira de dona Luzia, mas graças ao livro de Shakespeare, e o dicionário, descobri
a razão. Fazer sexo sem casar não pode. Eu quase fornicava com uma também
prima, a atrevida Elba. Sentia-me um transgressor dos princípios guardados
pelos mais velhos da família. O problema era que Elba não podia me ver, logo
inventava uma brincadeira, em quase todas eu era o marido dela.
E assim o tempo foi passando, crescemos,
hoje adultos, no entanto não perdemos o belíssimo hábito, lembrando de José
Dias de Dom casmurro e seus superlativos, Elba e eu nunca deixamos de
transgredir, agora, sem a culpa, ou acusadores. Mas não façam mau juízo de nós,
antes nunca fornicamos! Era pecado.
Farias 2001
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