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02 janeiro 2024

SEM CULPADOS ?

 

 SEM CULPADOS ?

 

      Ninguém poderia imaginar que um fato dessa natureza aconteceria na casa da família Carvalho e Casé, uma residência centenária com um enorme e belo jardim, cenário de um crime que marcou para sempre a pequena e pacata cidade de Monte Verde.

Era noite de natal, os recém casados, Valdemar e Mocinha transbordavam de paixão, juravam envelhecer juntos, e bastante felizes com a escolha que fizeram, curtiam e queriam compartilhar aquele momento, por isso, resolveram dar uma festa para os amigos se confraternizarem, celebrar o que viviam. Valdemar, o anfitrião, ficou encarregado de convidar os amigos, enquanto a esposa tomava conta da comida e da bebida que seria servida à noite. 

      Os convidados começaram a chegar às 20h, o casal muito receptível, elegantemente os cumprimentavam. Dois garçons  que serviam o pessoal  foram dispensados,  apedido do senhor, Marco Aurélio, um engenheiro elétrico amigo da família que veio passar o natal a  convite   do casal, justificando que todos ali presentes eram  praticamente de casa, não  havia necessidade dos convidados serem servidos, e a  presença de estranhos tirarias o sentido da festa,  que  na ocasião, era  festejar a noite entre amigos, e  mais,  poderiam  interpretar erroneamente as brincadeiras dos colegas, depois  comentarem pelas as ruas da cidade.

     Relembravam os tempos passados, as namoradas, as travessuras da época que eram garotos, estavam felizes, muitas gargalhadas, abraços, elogios à dona da casa, que timidamente agradecia a presença e os elogios. A anfitriã despertava olhares de todos, vestia um longo vestido vermelho com uma vantajosa abertura do lado da pena esquerda, era o deslumbramento. Enquanto uma linda canção da época de suas adolescências, embalava a noite, bebiam excessivamente, alguns já apresentavam os exageros da embriaguez, falavam alto, os abraços se repetiam frequentemente, declarações de amizade verdadeira, a euforia que o álcool provoca antes de levar o bêbedo a dormir.

      Já se passaram das vinte duas horas, quando a campainha toca, Valdemar olha para os convidados como se estivesse procurando um em especial que ainda não tinha chegado, na verdade dois convidados não tinham comparecido à festa do casal. Olha para a porta depois para a esposa e diz:'' é meu amigo de infância, Vicente que mora em Roseiral dos Campos.  A esposa ria com a   alegria do marido ao receber o amigo. Quem é o Vicente? Perguntou, Raquel uma jovem viúva cuja comportamento desregrado contrastava com o meio social que pertencia.  Valdemar, sem dizer uma palavra abraça a esposa, a leva até a porta para juntos receberem o convidado. Mocinha ficou encantada com o amigo do esposo, dirigiram – se os três até a sala onde estavam os convidados, com exceção de Zelito Badaró, um amigo de Mocinha, que ela mesma fez questão de convidar, embora sem aprovação do esposo.

     Dizem que na adolescência, Badaró, como era chamado, vivia fazendo declarações para Mocinha, sem superar a perda da mulher amada para Valdemar preferiu ir embora de Monte Verde, talvez seja essa a razão da rejeição do esposo em convidá-lo. Mas Badaró é apenas um convidado que ainda não tinha comparecido à festa. Voltemos ao amigo do anfitrião, Vicente foi muito bem recepcionado pelo casal, Valdemar, empolgado com o comparecimento do convidado retardatário, sobe aproximadamente cinco degraus da escada que dava acesso aos outros cômodos da casa e chamando a atenção dos presentes, faz um pequeno discurso elogiando-o:

­__Tenham o prazer de conhecer uma das pessoas mais encantadoras que eu conheci, um verdadeiro homem, honesto, um verdadeiro amigo.

Mocinha olhava com encantamento para o rapaz.  As horas passavam, e aproveitavam cada minuto, cantavam acompanhando a música, risadas e no meio da diversão, Mocinha e Vicente trocavam longos olhares, Valdemar percebeu que o amigo fazia a corte a esposa, enciumado pega a mulher pelo braço, a conduz ao quarto do casal, forçosamente a senta na cama e pede que ela desça e peça ao Vicente para se retirar da festa, porque estava sendo inconveniente as atitudes dele, todos os convidados percebiam o desrespeito com aos donos da casa. O inesperado acontece, Mocinha, sempre fez à vontade do marido, agora recusava fazer o que lhe havia pedido. O casal entra em discussão, Valdemar desce a escada transtornado procurando o amigo, Vicente estava sentado no sofá com uma taça de bebida na mão ao lado de uma mulher que sorria deselegante, certamente também tinha excedido na bebida. Aquela cena o deixou mais enciumado, inesperadamente, resolve anunciar o fim da festa, alegando que sua amada esposa não se sentia bem.

      Neste momento um dos convidados, o senhor Severiano Couto, um homem branco, calvo, com uma enorme verruga na orelha, dono da única funerária da cidade, pede atenção dos presentes, e propôs um brinde para agradecer aquele momento e o convite. Valdemar desce dos últimos degraus da escada, aproxima de um dos homens escorado no bar que o serve com uma dose de whisky sem gelo. Após tocarem as taças umas nas outras ergueram, antes de pronunciaram a que brindar, Mocinha aparece, manda parar, e rindo fala que não se faz um brinde sem a dona da casa presente. Bateram palmas, festejaram a recuperação repentina da mulher, e a convidaram para brindarem juntos. O marido insatisfeito com a presença da esposa, já que havia dito que ela não se sentia bem, ficou ali plantado sem nenhuma reação. Vicente muito gentil, como aparentou ser desde a chegada, foi até a escada estendeu a mão, Mocinha elegantemente segura, desce a escada, agradece a gentileza do rapaz que ousa beijar a mão da mulher. Valdemar tremia, o ódio aparecia no olhar que lançava em direção a Vicente.

      Mocinha tinha bebido com excesso e ao vapor do álcool, despudorada dava gargalhadas com qualquer coisa que o galanteador dizia. Valdemar tentava ignorar as atitudes da esposa. Alguns convidados resolveram ir embora, restava apenas os anfitriões, Vicente, o inconveniente, e mais um casal, cujo marido bêbedo não esboçavam nenhuma reação, provavelmente iria dormir em algum lugar da casa. Mocinha aproxima do rapaz sentado no sofá, senta do lado, enquanto o marido conversava com Lia Conceição Couto, esposa do senhor Severiano que parecia está em coma alcoólico, esparramado em um sofá, aquela imagem ridícula negava a condição social que tinha, mas em fim, é compreensível, bêbedo é bêbedo não existe elegância depois de tanto álcool consumido. Mocinha ousa, pega na mão de Vicente carinhosamente, diz:

    __ realmente meu marido tem razão, tu és encantador.

     Em retribuição com muita gentileza e cordialidade, elogia a beleza dela, conclui :

     __ Valdemar é um homem de sorte por ter uma mulher linda e fiel.

      Após ouvir os elogios, a jovem senhora rir, Vicente puxa-a contra o peito e beija. Um beijo tímido, rápido, mas a reação da mulher permitiu imaginar que poderia ir além, aquele momento não terminaria somente com um beijo. Valdemar de costas, continuava a conversar com a jovem senhora que olhava fixamente nos olhos dele como quisesse dizer alguma coisa. Subitamente o marido da senhora Lia acorda e decide ir embora, despede-se dos donos da casa, de Vicente que desejou ao casal um ano próspero. Valdemar acompanha os amigos até a porta, retorna à sala, onde se encontrava a esposa ainda conversando graciosamente de pernas encruzadas com algoz de sua felicidade. Sem que menos esperasse as luzes se apagaram, agora estavam os três naquela escuridão silenciosa.

     A falta de energia durou aproximadamente duas horas, e por volta de cinco horas da manhã, ao nascer do sol, horário que os funcionários da casa começavam a chegar, Dona Gisele, uma senhora, magra, cabelos com corte masculino, empregada da família a muitos anos, entra desesperada gritando, chamando pelo patrão:

    __ Seu Valdemar!

     Dona Gisele   havia encontrado no jardim os corpos despidos de Mocinha e de Vicente com perfurações no tórax. Valdemar estava   no sofá, profundamente ferido, agonizando, ensanguentado, olhou para empregada segurou fortemente a mão dela, e as últimas palavras proferida foi um verso do poeta paraibano, Augusto dos Anjos: '' A mão que afaga é a mesma que apedreja”. Valdemar deixou a vida tragicamente   sorrindo.

    Sirenes, roncos de motores aproximavam da residência, a polícia tinha sido avisada.

Ao adentrar à residência, o policial certifica dos óbitos, vasculha os outros cômodos da casa, pergunta:

__ Que horas a senhora chegou aqui na casa? Gigi, como era carinhosamente tratado pelos patrões, respondeu:

__ no horário de costume, às cinco horas da manhã. Em seguida, a empregada aproveitando o instante, pergunta:

__ Como a polícia soube do acontecimento?

O Inspetor, sem muita gentileza, responde:

__' um telefonema.

Vira as costa, sai analisando supostamente o local da cena do crime, vai até a porta de saída , observa  o jardim, onde os corpos permaneciam,  levanta a vista, olha  pensativamente para além do muro, volta  à sala,  faz outras perguntas:

__ A senhora suspeita de alguém ? Sabe quem poderia ter feito isso?  Dona Gigi que estava sentada levanta e monossilábica diz:

__Não.

     O Inspetor avista uma enorme roseira que fica próxima a uma cisterna, um reservatório de água, e resolve ver se encontrava pista do assassino ou assassinos, surpreendentemente se depara com um lugar limpo forrado, uma garrafa de whisky vazia e as roupas do casal morto, agacha-se, olha os bolsos, encontra uma passagem de Roseiral dos Campos para Monte Verde e no verso escrito: “Amigos amantes. O policial resmunga baixo:

__Quem seria o assassino?

Continuou fazendo anotações, olha os corpos mais uma vez, chama o colega, manda recolher os corpos, e ironicamente rindo diz: __as mãos que com paixão acariciaram, também com paixão tornaram-se assassinas! Vamos, não há culpados aqui, somente espectros de amantes a observar o último ato da trágica ópera que encenaram.  

                                                                                                              Farias,23/05/ 1994

 

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