Ninguém poderia imaginar que um fato
dessa natureza aconteceria na casa da família Carvalho e Casé, uma residência
centenária com um enorme e belo jardim, cenário de um crime que marcou para
sempre a pequena e pacata cidade de Monte Verde.
Era noite de natal, os recém
casados, Valdemar e Mocinha transbordavam de paixão, juravam envelhecer juntos,
e bastante felizes com a escolha que fizeram, curtiam e queriam compartilhar
aquele momento, por isso, resolveram dar uma festa para os amigos se
confraternizarem, celebrar o que viviam. Valdemar, o anfitrião, ficou
encarregado de convidar os amigos, enquanto a esposa tomava conta da comida e
da bebida que seria servida à noite.
Os convidados começaram a chegar às 20h,
o casal muito receptível, elegantemente os cumprimentavam. Dois garçons que serviam o pessoal foram dispensados, apedido do senhor, Marco Aurélio, um
engenheiro elétrico amigo da família que veio passar o natal a convite
do casal, justificando que todos ali presentes eram praticamente de casa, não havia necessidade dos convidados serem
servidos, e a presença de estranhos
tirarias o sentido da festa, que na ocasião, era festejar a noite entre amigos, e mais,
poderiam interpretar erroneamente
as brincadeiras dos colegas, depois
comentarem pelas as ruas da cidade.
Relembravam os tempos passados, as
namoradas, as travessuras da época que eram garotos, estavam felizes, muitas
gargalhadas, abraços, elogios à dona da casa, que timidamente agradecia a
presença e os elogios. A anfitriã despertava olhares de todos, vestia um longo
vestido vermelho com uma vantajosa abertura do lado da pena esquerda, era o
deslumbramento. Enquanto uma linda canção da época de suas adolescências,
embalava a noite, bebiam excessivamente, alguns já apresentavam os exageros da
embriaguez, falavam alto, os abraços se repetiam frequentemente, declarações de
amizade verdadeira, a euforia que o álcool provoca antes de levar o bêbedo a
dormir.
Já se passaram das vinte duas horas,
quando a campainha toca, Valdemar olha para os convidados como se estivesse
procurando um em especial que ainda não tinha chegado, na verdade dois
convidados não tinham comparecido à festa do casal. Olha para a porta depois
para a esposa e diz:'' é meu amigo de infância, Vicente que mora em Roseiral
dos Campos. A esposa ria com a alegria do marido ao receber o amigo. Quem é
o Vicente? Perguntou, Raquel uma jovem viúva cuja comportamento desregrado
contrastava com o meio social que pertencia.
Valdemar, sem dizer uma palavra abraça a esposa, a leva até a porta para
juntos receberem o convidado. Mocinha ficou encantada com o amigo do esposo,
dirigiram – se os três até a sala onde estavam os convidados, com exceção de
Zelito Badaró, um amigo de Mocinha, que ela mesma fez questão de convidar,
embora sem aprovação do esposo.
Dizem que na adolescência, Badaró, como
era chamado, vivia fazendo declarações para Mocinha, sem superar a perda da
mulher amada para Valdemar preferiu ir embora de Monte Verde, talvez seja essa
a razão da rejeição do esposo
em convidá-lo. Mas Badaró é apenas um convidado que ainda não tinha
comparecido à festa. Voltemos ao amigo do anfitrião, Vicente foi muito bem
recepcionado pelo casal, Valdemar, empolgado com o comparecimento do convidado
retardatário, sobe aproximadamente cinco degraus da escada que dava acesso aos
outros cômodos da casa e chamando a atenção dos presentes, faz um pequeno
discurso elogiando-o:
__Tenham o prazer de conhecer uma das pessoas mais
encantadoras que eu conheci, um verdadeiro homem, honesto, um verdadeiro amigo.
Mocinha olhava com encantamento para o rapaz. As horas passavam, e aproveitavam cada
minuto, cantavam acompanhando a música, risadas e no meio da diversão, Mocinha
e Vicente trocavam longos olhares, Valdemar percebeu que o amigo fazia a corte
a esposa, enciumado pega a mulher pelo braço, a conduz ao quarto do casal,
forçosamente a senta na cama e pede que ela desça e peça ao Vicente para se
retirar da festa, porque estava sendo inconveniente as atitudes dele, todos os
convidados percebiam o desrespeito com aos donos da casa. O inesperado
acontece, Mocinha, sempre fez à vontade do marido, agora recusava fazer o que
lhe havia pedido. O casal entra em discussão, Valdemar desce a escada
transtornado procurando o amigo, Vicente estava sentado no sofá com uma taça de
bebida na mão ao lado de uma mulher que sorria deselegante, certamente também
tinha excedido na bebida. Aquela cena o deixou mais enciumado, inesperadamente,
resolve anunciar o fim da festa, alegando que sua amada esposa não se sentia
bem.
Neste momento
um dos convidados, o senhor Severiano Couto, um homem branco, calvo, com uma
enorme verruga na orelha, dono da única funerária da cidade, pede atenção dos
presentes, e propôs um brinde para agradecer aquele momento e o convite.
Valdemar desce dos últimos degraus da escada, aproxima de um dos homens
escorado no bar que o serve com uma dose de whisky sem gelo. Após tocarem as
taças umas nas outras ergueram, antes de pronunciaram a que brindar, Mocinha
aparece, manda parar, e rindo fala que não se faz um brinde sem a dona da casa
presente. Bateram palmas, festejaram a recuperação repentina da mulher, e a
convidaram para brindarem juntos. O marido insatisfeito com a presença da
esposa, já que havia dito que ela não se sentia bem, ficou ali plantado sem
nenhuma reação. Vicente muito gentil, como aparentou ser desde a chegada, foi
até a escada estendeu a mão, Mocinha elegantemente segura, desce a escada,
agradece a gentileza do rapaz que ousa beijar a mão da mulher. Valdemar tremia,
o ódio aparecia no olhar que lançava em direção a Vicente.
Mocinha tinha
bebido com excesso e ao vapor do álcool, despudorada dava gargalhadas com
qualquer coisa que o galanteador dizia. Valdemar tentava ignorar as atitudes da
esposa. Alguns convidados resolveram ir embora, restava apenas os anfitriões,
Vicente, o inconveniente, e mais um casal, cujo marido bêbedo não esboçavam
nenhuma reação, provavelmente iria dormir em algum lugar da casa. Mocinha
aproxima do rapaz sentado no sofá, senta do lado, enquanto o marido conversava
com Lia Conceição Couto, esposa do senhor Severiano que parecia está em coma
alcoólico, esparramado em um sofá, aquela imagem ridícula negava a condição
social que tinha, mas em fim, é compreensível, bêbedo é bêbedo não existe
elegância depois de tanto álcool consumido. Mocinha ousa, pega na mão de
Vicente carinhosamente, diz:
__ realmente
meu marido tem razão, tu és encantador.
Em retribuição
com muita gentileza e cordialidade, elogia a beleza dela, conclui :
__ Valdemar é
um homem de sorte por ter uma mulher linda e fiel.
Após ouvir os
elogios, a jovem senhora rir, Vicente puxa-a contra o peito e beija. Um beijo
tímido, rápido, mas a reação da mulher permitiu imaginar que poderia ir além,
aquele momento não terminaria somente com um beijo. Valdemar de costas,
continuava a conversar com a jovem senhora que olhava fixamente nos olhos dele
como quisesse dizer alguma coisa. Subitamente o marido da senhora Lia acorda e
decide ir embora, despede-se dos donos da casa, de Vicente que desejou ao casal
um ano próspero. Valdemar acompanha os amigos até a porta, retorna à sala, onde
se encontrava a esposa ainda conversando graciosamente de pernas encruzadas com
algoz de sua felicidade. Sem que menos esperasse as luzes se apagaram, agora
estavam os três naquela escuridão silenciosa.
A falta de
energia durou aproximadamente duas horas, e por volta de cinco horas da manhã,
ao nascer do sol, horário que os funcionários da casa começavam a chegar, Dona
Gisele, uma senhora, magra, cabelos com corte masculino, empregada da família a
muitos anos, entra desesperada gritando, chamando pelo patrão:
__ Seu
Valdemar!
Dona
Gisele havia encontrado no jardim os
corpos despidos de Mocinha e de Vicente com perfurações no tórax. Valdemar
estava no sofá, profundamente ferido,
agonizando, ensanguentado, olhou para empregada segurou fortemente a mão dela,
e as últimas palavras proferida foi um verso do poeta paraibano, Augusto dos
Anjos: '' A mão que afaga é a mesma que apedreja”. Valdemar deixou a vida tragicamente sorrindo.
Sirenes, roncos
de motores aproximavam da residência, a polícia tinha sido avisada.
Ao adentrar à residência, o policial certifica dos
óbitos, vasculha os outros cômodos da casa, pergunta:
__ Que horas a senhora chegou aqui na casa? Gigi, como
era carinhosamente tratado pelos patrões, respondeu:
__ no horário de costume, às cinco horas da manhã. Em
seguida, a empregada aproveitando o instante, pergunta:
__ Como a polícia soube do acontecimento?
O Inspetor, sem muita gentileza, responde:
__' um telefonema.
Vira as costa, sai analisando supostamente o local da
cena do crime, vai até a porta de saída , observa o jardim, onde os corpos permaneciam, levanta a vista, olha pensativamente para além do muro, volta à sala,
faz outras perguntas:
__ A senhora suspeita de alguém ? Sabe quem poderia ter
feito isso? Dona Gigi que estava sentada
levanta e monossilábica diz:
__Não.
O Inspetor
avista uma enorme roseira que fica próxima a uma cisterna, um reservatório de
água, e resolve ver se encontrava pista do assassino ou assassinos,
surpreendentemente se depara com um lugar limpo forrado, uma garrafa de whisky
vazia e as roupas do casal morto, agacha-se, olha os bolsos, encontra uma
passagem de Roseiral dos Campos para Monte Verde e no verso escrito: “Amigos
amantes. O policial resmunga baixo:
__Quem seria o assassino?
Continuou fazendo anotações, olha os corpos mais uma vez,
chama o colega, manda recolher os corpos, e ironicamente rindo diz: __as mãos
que com paixão acariciaram, também com paixão tornaram-se assassinas! Vamos,
não há culpados aqui, somente espectros de amantes a observar o último ato da
trágica ópera que encenaram.
Farias,23/05/ 1994
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