SEMPRE
A CHAMEI DE MADAME BOVARY
No acostamento da deserta estrada
de sentido oposto ao pôr do sol, cuja localidade não posso aqui revelar,
tivemos o nosso último encontro. Aquele lugar tornou-se uma espécie de
santuário, lá está escrito em uma grande pedra, teu nome e o meu dentro de um
mal desenhado coração. Ali, te vi pela última vez com sorriso e a cara de quem
nunca disse não para mim. Como testemunha, somente o retrovisor interno do teu
carro, a espelhar para todos os ângulos a volúpia desenfreada, tal qual uma
jovem loba faminta, insaciável devorando a presa. Descontrolada, indefesa em
meus braços, entregando – se por inteira ao momento, jugava- me teu dono.
Essa confusão
louca de desejos, vontades, afugentavam qualquer resquício de pudor que ainda
pudesse ter. As nossas roupas eram arrancadas, jogadas para o banco de trás.
Amantes viçosos que éramos, nada mais no mundo importava além de estarmos
juntos. Mesmo de maneira pagã, para os olhos dos conservadores, havia pureza em
tudo que fazíamos e como fazíamos. Aquela noite, Bovary, certamente marcariam
as nossas vidas.
Nos instantes de tréguas, ligavas a
luz do teto. Igual a um escultor contemplando sua arte, eu completava tua
beleza nua. Enquanto beijava o rosto, acariciando seus longos e cheirosos
cabelos confessava baixinho: ó querida Bovary tu és para mim única no mundo,
teu cheiro delicado, marcante, atraente, lembra-me os perfumes das rosas silvestres
que brotam nos campos. Atenta a cada
palavra que eu dizia, os olhos brilhavam de felicidade, trocávamos carícias,
segredos, fetiches, ingenuamente descrevias com riquezas de detalhes o
nervosismo da primeira vez.
De repente uma
estrela passou riscando o céu, por alguns minutos ficamos a olhar através do
para-brisa, a imensidão do universo, o brilho das estrelas. Encostando a cabeça
no meu ombro, pedes para eu contar mais uma vez a história de Vênus, a trágica,
mitológica narrativa de amor. Emocionada com o que estávamos vivendo,
consciente que ali iniciava o fim, aproximas, colas as mãos ao meu rosto, olhas
nos meus olhos, encosta o nariz no meu, obstinadamente olhava com tanta ternura
que por alguns instantes ficamos imóveis até resolver falar: “SEMPRE QUIZ SER O
TE DO EU TE AMO”. Claro que não tinha originalidade na frase, já ouvi antes,
mas achei verdadeira, e inocente a forma como falaste.
Pode até ser
bobagem, afinal quem nunca disse frases bobas de amor? Já disse o poeta, todas
as cartas de amor são bobas, então, porque censurar uma frase boba de amor,
dita em voz, lágrimas e desespero!?Suavemente estendes as pernas, colocas os
pés sobre o painel, quão à vontade estavas, não se preocupaste em vestir a
roupa ou cobrir partes que viesses a te incomodar ser vistas. Olhando para
fora, enxugando o rosto, começas a conversar sem parar, eu escutava respeitosamente
tudo que vinhas de ti, pois eras importante.
Ouvimos
músicas, as mesmas que dançávamos coladinhos nas tertúlias que os amigos de
escola faziam em suas casas, mostrei a foto que tiramos junto de um Papai Noel,
esquisito, barriga negativa, e os músculos tudo em cima.
Deixemos a figura do “bom velhinho” só para data dedicada
a ele. Enfim, tardio, mas chegou o sono, dormimos, quando acordamos, o sol
despontava no horizonte, majestoso, forte, amarelo ouro.
Saímos, com as
nossas roupas forramos o chão, sentamos juntinhos, encostamos na lateral do
carro, ficamos a apreciar a beleza, o espetáculo da força da natureza. Em
silêncio suportava ver o sol, também como eu, acariciar, aquecer teu corpo, tão
somente meu. Depois daquele entorpecido nascer do sol do dia 20 de abril do
tempestuoso ano que vivi, nunca mais a vi, ou ouvir falar de ti. Por onde
andas, querida Bovary.
Farias, 28/03/2004
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